O reconhecimento da união estável como entidade familiar recebeu sua proteção jurídica com o art. 226, §3º da nossa carta magna, anteriormente o termo usado para as uniões que eram consideradas ilegítimas recebiam a denominação de “concubinato”, naquela época não havia amparo legal previsto em lei que regulamentasse as relações de comunhão e de afetos conjugais.
No concubinato os direitos patrimoniais do concubino somente eram comprovados mediante provas do esforço comum na constância da relação para a devida partilha de bens ou a sua devolução com juros e correção monetária.
A compreensão da Constituição Federal de 88 ao pluralismo familiar propôs ao nosso sistema brasileiro que o reconhecimento da entidade familiar não fosse somente pelo casamento.
Com o advento da união estável ainda que anteriormente às relações conjugais que constituíssem famílias eram sociedade de fato, no direito de família não era reconhecida como entidade familiar por serem tratadas na seara do direito das obrigações e direito comercial, o Supremo Tribunal Federal visando resolver os litígios e prevenir o enriquecimento ilícito das relações de sociedade de fato editou duas Súmulas nº 380 e 382, concedendo os direitos na relação entre homem e mulher e união de pessoas do mesmo sexo.
Foi sancionada no ano de 1994 a lei nº 8.971, instituindo o direito dos companheiros à alimentos e à sucessão, todavia os requisitos da união estável sofreram alterações pela lei nº 9.278/96, no seu art.1º que enuncia: É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família, exigindo que a união estável tenha como condição a convivência duradoura, pública e contínua.
Observe que a Constituição Federal e o Código Civil não se pronunciaram quanto às relações de pessoas do mesmo sexo ou relações homoafetivas, pois receberam a proteção jurídica da união estável ao serem reconhecidas como entidade familiar, conforme o julgamento da ADPF 132 e ADI 4277 e com a aplicação analógica do artº.1.723 do Código Civil.
A união estável poderá ser estabelecida quando a pessoa casada estiver separada de fato, mesmo que não tenha formalizado o término da relação anterior, vivemos no mundo globalizado onde a maioria das pessoas tem amplo acesso à internet, a rede de computadores, aplicativos de encontros e todas as plataformas digitais, mas o que chama a atenção, seja por questões morais ou culturais, as pessoas que estão em um relacionamento não se preocupam em formalizar a sua união estável.
Considero pertinente comentar que os tribunais brasileiros vêm enfrentando situações emblemáticas para julgar as demandas judiciais de reconhecimento e dissolução de uniões estáveis, a linha é muito tênue em saber ao certo qual o determinado momento em que a relação conjugal se iniciou e qual o momento que tornou-se uma família.
O presente artº.1.725 do Código Civil permite a realização do contrato escrito particular sendo irrelevantes seguir as formalidades, mas para evitar futuros litígios no judiciário, é importante que ocorra o registro deste contrato no cartório de notas com todos dispositivos pertinentes a união estável, o regime de bens, o marco inicial da relação e os bens anteriores a união estável, assim dificultará alegações de vício de consentimento por um dos companheiros. Caso os companheiros não façam o contrato de união estável e não registram no cartório notas, ocorrendo a dissolução litigiosa, o judiciário irá julgar a demanda analisando as provas documentais e testemunhais.
Embora não seja instituído prazo para a consideração de união estável, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que a coabitação de pequeno lapso temporal na casa do namorado, mesmo precedido pelo tempo de 2 anos de namoro não caracteriza união estável e sim namoro qualificado, pelo qual não lhe é assegurado o direito patrimonial, exceto que haja comprovação de esforço comum na constituição do patrimônio.
No ano de 2017 houve mudanças no sistema brasileiro com o julgamento dos Recursos Extraordinários 646.721-RS e 878.694-MG que teve a votação não unânime, mas foi dado o provimento do recurso, ambos de repercussão geral, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil que instituía o regime sucessório aplicado à união estável.
Após está declaração de inconstitucionalidade ficou estabelecido à aplicação do art. 1.829 do CC/2002 que diz: o companheiro sobrevivente terá direito de concorrer a herança equiparados aos direitos do cônjuge. A tese defendida por alguns ministros neste julgamento teve como fundamento a desconformidade do art.226 §3º da Constituição Federal 88, afirmando prevalecer a obediência aos princípios da igualdade, dignidade da pessoa humana e segurança jurídica.
Portanto o excelso Supremo Tribunal Federal entende que o companheiro sobrevivente estava recebendo o tratamento discriminatório e preconceituoso, reconhecendo expressamente que a união estável entre homem e mulher é entidade familiar com status de família, e não há de ser instituído pelo legislador infraconstitucional o tratamento de desigualdades entre o casamento e a união estável.
Brilhantemente o ministro Marco Aurélio teve seu voto contrário aos recursos extraordinários, posicionando no sentido de “prevalecer a ótica direcionada da equiparação dos institutos sendo possível a ocorrência de efeitos perversos e contrários à proteção da união estável e aos casais conviventes”.
O voto em desfavor a equiparação do companheiro do Ministro Ricardo Lewandowski, afirmou que “a inconstitucionalidade foi um grande desacerto jurídico do STF por estar deteriorando com o regime sucessório próprio da união estável ao determinar as regras sucessórias do casamento “.
Suponhamos que houve uma união estável e não foi formalizada em contrato ou escritura pública, falece um dos companheiros e dessa união teve um filho, o companheiro sobrevivente irá ter direito à metade dos bens que foram adquiridos onerosamente na constância da união e dividirá com este filho os bens adquiridos anteriormente a união estável, mesmo aqueles bens recebidos por herança ou doação.
As condições de igualdade deste companheiro sobrevivente alcançarão a do cônjuge, conforme o art.1.829 CC sendo eleito neste caso o regime de comunhão parcial de bens.
Diante da decisão do STF, entendo que a inconstitucionalidade do art.1.790 CC trilhou para o caminho da injustiça e desproporcionalidade, diante da realidade dos relacionamentos de hoje em dia, ou seja, o companheiro que conviveu com o falecido por um determinado tempo irá herdar o percentual de todo o patrimônio em igualdade com o filho do “de cujus” e também os bens particulares.
No regime da comunhão parcial de bens todos os bens adquiridos na constância da relação à título oneroso se comunicam, claro que há exceções como os bens adquiridos por doação e sub-rogação, os bens adquiridos anteriormente a união estável ou casamento, os bens de uso pessoais, livros e os instrumentos de profissão.
O que as pessoas não têm o conhecimento é que há flexibilidade na legislação civil ao tratar de direitos patrimoniais privados da relações conjugais no qual é permitido no casamento e na convivência em união estável a escolha do regime misto.
Também em nosso ordenamento jurídico é permitido a mudança de regime de bens do casamento devendo o pedido ser feito de comum acordo pelos cônjuges, apresentar relevâncias para apreciação do pedido pelo judiciário e não poderá atingir terceiros em relações patrimoniais. Na união estável por não haver formalidades não é preciso autorização judicial para estabelecer em contrato a mudança do regime de bens havendo apenas a concordância dos companheiros.
Em que pese às divergências sobre o assunto abordado, em particular, discordo da nossa suprema corte quanto a inconstitucionalidade do artigo por entender que o casamento não se equipara a união estável, se observarmos, cada instituto tem suas disposições distintas no código civil que são resguardadas pela constituição federal.
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