É um momento bastante oportuno para dialogar sobre a Lei de Alienação Parental, que completa 10 anos no dia 26 de agosto de 2020. No entanto, após uma década de publicada, foi tema de audiência pública na Comissão Parlamentar de Inquérito dos Maus-Tratos relacionada à criança e ao adolescente, em maio de 2018. Coletivos de mães apresentaram à CPI dos Maus-Tratos que perderam a guarda de seus filhos por denunciarem supostos abusos sexuais e/ou negligência da parte do genitor, mas não tiveram provas que incriminassem os genitores.
A lei nº 12.378 teve sua identidade originária através da pesquisa de Síndrome de Alienação Parental, do professor e psiquiatra americano Richard Gardner, que compreendeu nas suas primeiras pesquisas que o genitor alienante tenta danificar ou romper a relação da criança com o pai não privativa de liberdade. Posteriormente, Gardner concluiu que a alienação parental ocorre devido ao distúrbio que surge das constantes disputas de custódia da criança e adolescente, iniciando primariamente a campanha do filho para denegrir o seu progenitor, campanha esta bem significativa e com danos irreparáveis.
Neste contexto, Gardner entende que os indícios são claros e não há dificuldades em identificar a síndrome a partir de sintomas apresentados pelo infante como a campanha de difamação e ódio contra o pai-alvo, racionalizações fracas, absurdas ou frívolas para justificar esta depreciação e ódio, falta da ambivalência usual sobre o pai-alvo, afirmações fortes de que a decisão de rejeitar o pai é só dela (fenômeno “pensador independente”), apoio ao pai favorecido no conflito, falta de culpa quanto ao tratamento dado ao genitor alienado, uso de situações e frases emprestadas do pai alienante, e ainda, a difamação não somente ao pai, como a todos os seus familiares.
A Lei de Alienação Parental teve início no Brasil pelos grandes movimentos sociais, associações de pais e mães, e contou com a participação de equipes de psicólogos e psiquiatras, que apresentaram o projeto-lei em 2008, com a aprovação em 26 de agosto de 2010. Na data de 18.02.2020, foi aprovada pela Comissão de Direitos Humanos uma substituição ao projeto que propõe a revogação da Lei de Alienação Parental (Lei 12.318, de 2010 – LAP), dizendo não por fim à norma, e sim, reajustá-la sem deturpar o seu texto.
Entre as possíveis mudanças na lei está o ponto sobre a falsa denúncia, promoção de audiência pelo juiz com ambas as partes, propondo mediação ou outros métodos de solução de conflitos, e o acréscimo de um novo artigo que criminaliza a falsa acusação de alienação parental com pena proposta de 2 a 6 anos de reclusão e multa. O substitutivo será votado na CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) e será encaminhado para análise na Câmara.
A alienação parental consiste em pais ou mães que estimulam o filho a repudiar uma das partes. Isso ocorre normalmente durante conflitos nos quais os genitores não conseguem dialogar para resolver as questões dos filhos e travam uma disputa, onde um dos genitores coloca a criança contra o outro, fazendo com que ela o enxergue de maneira negativa.
No artigo 2º da lei, elucida que: “Considera-se ato de alienação parental, a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.”
Além disto, importante destacar que dificultar o contato com o filho, omitir informações, mudar para um local distante para dificultar a convivência sem justificativa e apresentar falsa denúncia são exemplos de atos de alienação. A lei foi criada para garantir a boa convivência entre pais e filhos, ou algumas entidades que cumprem esse papel. As penalidades vão de advertência ao compartilhamento da guarda ou a sua inversão.
Porém, críticos acreditam que parte do conceito é controverso e gera consequências como a estigmatização de mulheres e até a facilitação do abuso sexual. Coletivos de mulheres contrárias a lei, porque perderam a guarda dos filhos, foram criados e defendem a revogação, apontando que a lei é falha porque a justiça é machista e preconceituosa. Parte dessas mães perderam a guarda por denunciar abuso sexual e não tiveram como comprovar.
Será que por ser a Lei de Alienação Parental, conforme o conceito dado por estas mulheres, machista e preconceituosa, a sua revogação não iria na contramão da ocorrência de alienação parental e afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana?
Observa-se que a lei visa garantir os direitos fundamentais da criança e adolescente, positivado no artº 227 da nossa carta magna, e assentada no Capítulo III do ECA, que diz a respeito do direito da criança à convivência familiar e comunitária, logo, o artigo 19, dispõe: “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.”
A doutora em serviço social pela PUC/SP Elisabete Borgianni declarou no seu debate realizado no dia 23.08.2020, a seguinte afirmação: “desde a aprovação da lei de alienação parental, os juízes e promotores ignoram e não querem mais as avaliações psicológicas, não querem mais estudos sociais, estão fazendo provas pela escuta especial da criança, que dura geralmente 4 horas, e finaliza o processo. Mas isto acontece por depender de muito dinheiro público. Para se ter uma ideia, cada salinha de depoimento especial para criança, dentro de cada fórum, custa em média 35 mil reais, multiplicado por 5 mil comarcas no Brasil, resultando em R$ 175 milhões, valor que conseguiria contratar no mínimo três cargos de psicólogos por comarca. Mas diante da nossa realidade não é preciso, basta acessar o banco de perito de psicólogos somente para realizar o depoimento pessoal, emitir um laudo e encerrar o processo.”
Outras instituições se posicionam a favor da lei, ressaltando que é preciso tomar cuidado para não confundir as questões naturais com alienação, pois às vezes a criança, em determinado momento do desenvolvimento, pode ficar mais próxima do pai ou da mãe.
Nosso jurista, que tanto admiro, Rolf Madaleno, sustenta que: “Não há que revogar a Lei de Alienação Parental, devemos ocupar o tempo para soluções que seriam mais práticas, mais eficazes e principalmente humanas. A nossa obrigação é com nossos filhos, aqueles que dependem de nós, que nós temos responsabilidade que eles cresçam saudáveis e com higidez mental, o tempo que devemos encontrar em cima da lei perfeita, é algo mais perfeito ainda, de orgulhar de ter sido profissional do direito, ter sido pai ou mãe, ser brasileiro.”
O judiciário terá que ser eficiente e atuar de forma imediata conforme a lei, que de início suspenda a convivência, mas que dê prioridade e crie expedientes exclusivos para obtenção de provas da alienação parental, sempre buscando amenizar a ausência dessa convivência que foi suspensa.
Infelizmente nos deparamos com outra realidade, não há o que se falar em revogação ou alteração da lei, e sim cobrar do governo para estruturar nossas comarcas, contratar profissionais capacitados que analisam e acompanham aquela situação, e que, posteriormente, possam emitir os laudos aos magistrados para vir a surgir a tomada de decisão, assegurando mais efetividade na aplicação da lei no caso concreto.
Podemos nos espelhar no modelo Espanhol, que tem um local de ponto de encontro, durante a semana e nos finais de semanas, para a convivência do alienador e alienado. Esses encontros são observados por profissionais capacitados que emitem um relatório ao juiz que está acompanhando o caso, para que possa a vir a decidir quais serão as futuras medidas a serem tomadas diante de cada situação familiar.
Precisa-se trabalhar os problemas e reajustar as questões. Estamos na contramão do sistema judiciário, que conforme noticiou a reportagem de domingo no Fantástico, chegou ao extremo de determinar a reversão da guarda a favor de uma avó materna, alegando a alienação parental sem ter os indícios. O que na verdade aconteceu trata-se de intolerância religiosa por a mãe da criança frequentar um terreiro de candomblé. A genitora conseguiu reformar a sentença e sua filha retornou para seu lar.
Por Danielle Santos
Advogada especializada de Família e Sucessões.
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